Porque sim!




Quero-te…

Não te preciso,
apenas te quero.
Quero-te egoisticamente.
Não te amo.
Eu não amo…
Nunca amei!
Não tenho tempo nem espaço para o amor…
Nunca o tive!

…mas sinto-lhe a falta!

Ah! Como lhe sinto a falta,
como te sinto falta…

Mas como sentir falta de algo que se desconhece?!

Tomara desconhecer-te...
O que tens tu afinal que me alucinas?!
Sim, alucinação,
porque eu não amo,
nunca amei e
não tenho tempo para amar!

….mas sinto-lhe falta!

Ah! Como sinto a tua falta….

A tua?
A dele?
Ou a delas?
O homem,
O prazer,
As palavras…
Cede o meu cepticismo,
perante esta trindade.
E como em toda a crença,
não me perguntes o porquê!
Quero-te.
Porque sim.

Vidro tosco

Embebedo-me em fotografias estranhas, caras perfeitas que desconheço, momentos de que não fui parte, sorrisos que não esbocei. Desenho um auto-retrato que não se assemelha ao meu rosto. Procuro no baú das recordações memórias de momentos que não vivi. Não sou eu quem está aqui!

Construo a cristal o projecto de estátua que pretendo que ergam de mim... Crital? Como se apenas tenho vidro tosco?! Vidro tosco como o desta garrafa de vinho velho, incapaz de me afogar as mágoas.Vidro tosco como o plástico desta caneta que já não flui como outrora. Vidro tosco, disforme, desagradável, como o monstro que me sinto quando me odeio tanto quanto a este vidro tosco que me impede de ver a luz! Filho da puta!

Parto a garrafa. Substituo a caneta velha por um lápis que me permita apagar tudo. Entro em delírio. Visto-me de raiva, de rancor, de fúria, de coragem. Pego no vidro. O seu aspecto tosco, que tanto me enfurece, deixa-me agora nostálgica, saudosa, triste... Cáio no chão. O vidro parte. Nos meus olhos escorre o sangue que jorra da palma da minha mão.
Partiu. Parti.

Nua


A cada manhã o pano sobe, fabrico-me, invento-me, represento-me, minto-me, cubro-me de graça e de sorrisos. Com a alma escondida por este véu de civilidade, caminho altiva, por entre outros tantos personagens como eu.

A cada anoitecer o pano cái, desmascaro-me, dispo-me, encontro-me e encontro-te, na mais pura verdade que há em mim.


É quando estou nua que fico mais próxima de ti...

Verniz


Não é o amor proibido,

É a proibição do amor,

que assim,

não chega a sê-lo.


Pudera eu querer-te,

desejar-te,

procurar-te...


Fosse eu verdadeiramente selvagem e fá-lo-ia assim mesmo!


Não!


Civilização.

Consciência.

Sentimento retraído,

não esquecido por não chegar a ter existido.


Como eu gostaria que tivesse!

Pudesse,

ficaria,

ou partiria,

contigo.


Não!


Razão.

Coração amordaçado.


Fosse eu verdadeiramente selvagem e felina far-te-ia minha presa.

Não!

As unhas estão pintadas...
Sorriso que me desenhas no rosto, artista de pincel armado, no castelo encantado em que te deixei, te achei.
Sereia te canto e tu me encantas, Ulisses, nova epopeia começou!
Livre indígena selvagem, de terras que em tempos tentaste conquistar, hoje renuncio ao meu corpo para que o possas escravizar.
Ah, herói sem capa, sem navio, sem unção divina, ganha a eternidade no coração desta donzela!

Quando os sonhos acabam e a realidade te toca...


E, de repente, a neblina levanta-se, a luz revela toda a realidade envolvente, na água cristalina de um antigo lago de fantasia vês o teu reflexo, mais nítido do que nunca...

E, de repente,o sonho termina, os olhos abrem-se, acordas e sentes-te corpóreo, como nunca...

E, de repente, a primavera acaba, as flores murcham, as folhas caem e vês os troncos, as raízes, a realidade despida de toda a beleza, simples, nua, fria, como nunca...

E, de repente, a fantasia esvai-se, as ilusões perdem o sentido; vês, vês-te. Sentes, sentes-te, como nunca, tragado por uma realidade concreta, onde o Homem não tem asas, onde não existe magia, onde tu és o teu próprio limite.

Último dia no planalto mirandês

Pedra sobre pedra, dezenas de metros de rochedo morto, árido, frio, nu; daquele cinzento triste de Inverno (que aqui permanece no Verão) manchado de verde mofo, podre. A rasgar este penedo, um rio. Qual água cristalina, qual azul imenso, qual verde translúcido?! Aqui há verde escuro, verde sujo, verde baço. Um pouco mais acima, os mesmos penedos, os mesmos segredos desta singular beleza. Tudo é feio, triste, sombrio, tudo está morto e tudo é tão particularmente maravilhoso…
Um toque de gaita típica interrompe a minha contemplação. Continuo a passeata domingueira com um caminhar atento e reflexivo. A majestosa, velha e sacra catedral faz-me parar de novo. Aqui tudo tem este tom sombrio, tudo está coberto de mofo e cheira a morte. Morbidez mental excessiva. Ouve-se um piu-piu, piu-piu, de um ninho camuflado no parapeito da janela.
Uns passos adiante, sento-me num banco de jardim tão paradoxal como a minha existência: de um lado, frondosas árvores civilizadas, do outro, despidas árvores selvagens, cujas folhas caídas pisam transeuntes fantasmáticos... (Corpos que se arrastam sem sentido ou permanecem sedentários num vácuo de existência. Passos repetidos que percorrem inconscientemente os mesmo trilhos e incorrem nos mesmo sarilhos; ou, temendo deixar pegada, retraem a passada, e nada. Existências que não chegam a sê-lo; que sendo-o se perdem sem encetar caminho, no caminho errado, no final de um caminho mal traçado. Ridículos herdeiros de dívidas ridículas, para cobrir ainda mais ridículos caprichos. Indiferentes, ausentes, temerários, cobardes, ingénuos, ridículos, nesta ridícula esfera civilizada, em que só os verdadeiros ridículos não se sentem ridículos!) O tom mantém-se: troncos cinzentos, folhas caídas apodrecidas, de um lado, e fingidas coberturas verdes, do outro. Artificial ainda o ruído dos simpáticos repuxos hiperactivos. Mas o verdadeiro rio, esse, está parado, esquecido, coberto de lodo, morto…
Cansada de tantos cadáveres, regresso a casa; também eu algo mais morta do que ontem.

Acordo com um raio de sol que penetra pela janela. É início de primavera e o tempo está deveras agradável. Que vontade de sair pela porta, desbravar florestas, dominar os rios, sentir o vento bater-me no rosto e, simplesmente, sorrir…O despertador toca. Tornou-se um hábito acordar antes deste ruído metálico de juventude (que não sei porque motivo insisto em guardar) me lembrar que a partir de agora o tempo está contado ao segundo. Um dia mais deste enfadonho trabalho me espera… Reunião às nove, escritório até à uma, e uma hora para almoçar, às duas encontro com os clientes, às 4 no tribunal e…bem, só para regressar a casa não há hora marcada. O telefone começa a tocar. Apresso-me. Dou uma última olhada para o espelho antes de sair. Tenho imenso cuidado com a imagem, mas a base Clinique não consegue esconder rugas e olheiras de cansaços que se acumulam. Demasiadas noites passadas com processos intermináveis, à procura da lei apropriada por entre esta inflação de regulamentação. Demasiadas noites a tentar encontrar a verdade da mentira. Demasiadas noites a relembrar histórias passadas mais ou menos imaginadas, saudosa de aventuras que não vivi, que adiei eternamente…frustrações. Demasiadas noites de sexo sem prazer, ao lado de um sempre mero companheiro que acabo por trocar pela carreira. Rotina: habituei-me a ela. (O tempo é o maior mágico na terra…) Parto. O semáforo vermelho obriga-me a parar. Enquanto espero e desespero confirmo o plano do dia na minha agenda. Surpreendo-me com o aniversário de uma amiga! Uma das poucas que sobreviveu às mandíbulas do tempo e do trabalho…ou se calhar não! Ligo-lhe. O número já não está atribuído…Uma buzina impede-me de cair em mais um momento de saudosismo e melancolia. O semáforo está verde. No tribunal nada de novo: sessão adiada por falta de comparência do arguido. Aproveito para adiantar um dos imensos processos que se multiplicam na minha secretária… (…talvez o tempo não seja o único mágico na terra!) Anoiteceu. Chego a casa tarde, uma vez mais. Cheira a rosas, um sabor adocicado faz-me salivar e uma música suave paira no ar. Ele preparou-me uma surpresa. Odeio surpresas e hoje estou tão cansada… Faço um esforço por sorrir quando ele me vem dar um beijo. Há pétalas de rosa espalhadas por todo o lado. Morangos com chocolate e duas taças de champanhe em cima da mesa. Balbucio um tímido “Obrigada” e, antes que tenha tempo de me responder e tomar iniciativa do que quer que seja, digo-lhe “Lamento, mas vou-me deitar, estou cansada.”. A porta bate mais forte do que nunca. Saiu. Sinto-me aliviada. Respiro fundo e vou-me deitar. Algo que também já faz parte da rotina. Não consigo adormecer. Incomoda-me o som dos ponteiros do relógio: tic-tac, tic-tac… Um copo de água e um comprimido costumam ser bons companheiros de cama. Desta vez sinto-me carente. Não tomo apenas um. Acabo com a rotina, para sempre.
Que prazer me dá penetrar no ser humano, lapidá-lo e ler as suas entranhas minuciosamente, fascinar-me a cada descoberta de mim mesma…

Auto-retrato


Se loucura é gritar bem alto aquilo que sinto, aquilo que sou, aquilo em que o passado me tornou, aquilo que o futuro encontrou;
se loucura é sonhar o impossível, desejar o infinito, querer o inalcançável, lutar contra o invencível;
se loucura é amar o diferente, o insólito, humilde ou arrogante, sóbrio ou exuberante, simples ou voluptuoso, tranquilizante ou excitante, sereno ou agitado, doce ou picante, mas genuíno;
se loucura é ter sede de pecado, de prazer;
se loucura é buscar incessantemente a perfeição, a sublimação, a consubstanciação com a verdade pura;
se loucura é adorar os defeitos do Homem, cada órgão do seu corpo, cada simples elemento da sua complexa mente, a sua vulnerável força humana, perecível e tão apetecível pois insubstituível, incompreensível;
se loucura é procurar desvendar as entranhas de cada ser, querer o mais profundo, oculto, misterioso, íntimo, único;
se loucura é retirar a energia vital do reconhecimento da proximidade da morbidez longínqua;
se loucura é ter a pretensão de que é possível deixar-se fascinar, admirar e adorar todo o universo;
se loucura é querer romper com os taboos, sem jogos crus, mas com sentimentos nus;
se loucura é manter-se fiel às convicções, sem ceder a convenções, pressões de meios tostões;
se loucura é da felicidade chorar saudosamente e da dor rir compulsiva e ofegantemente;
se loucura é uivar a cada luar sem temer o amanhecer acordar;
se loucura é um descontentamento permanente deste viver descontente de contente;
se loucura é encontrar estabilidade na duvidada inconstante;
se loucura é deixar um pouco de mim em cada passo, em cada abraço;
se loucura é guardar um pouco de ti em cada pedaço do meu querer, do meu entender, do meu ser, do meu viver…
então eu não sou louca.
Eu sou a loucura em si mesma!

Oásis


Deixa-me permanecer assim: voluntariamente cega.
Deixa-me louca caminhar para o abismo e cair.
Deixa-me destroçada arrastar os pés sangrentos pelas áridas areias desertas de vida.
A desidratação tomará conta do meu corpo e desaparecerão os vestígios do suor que deixaste em mim.
Aparecerás disforme numa alucinação nebulosa…
Ilusão…
Ah!
Qual Oásis no deserto!
Que vontade de te encontrar, de te tocar, de te beber…
De sentir a tua frescura…
De atingir o êxtase máximo de saciamento…
De alimentar a minha secura e acalmar esta chama que me consome a alma…


Ó sol que me mentes!!
Delírio.
Alucinação enganadora.
Surges sempre sob a forma de miragem, ainda não molhei os meus lábios e já te dissipaste qual volátil omnipresença inconstante.

Filosofia


Ah platonismo surreal!
Extasiante actual empirismo sensorial…
Qual abnegação, despojamento??!!
Luxúria, volúpia, ambição desmedida…
Estoicismo anormal!
Eu sou verdade: animal irracional, emocional, perturbável; epicurista de presente, de acção, sem tempo de meditação propícia à anedonia.
Desejo, acção, prazer…minha ciência, minha arte, meu culto:

hedonismo axiológico-pragmático.